Aspectos geotécnicos dos afundamentos em Maceió
Em fevereiro de 2018, fortes chuvas seguidas de um tremor de terra (2,5 pontos na escala Richter) serviram de advento para incontáveis trincas e recalques em ruas e edificações nos bairros Pinheiro, Bebedouro e Mutange em Maceió, Alagoas [1]. Aproximadamente 50 mil pessoas precisaram abandonar a região, considerada agora área de risco [2]. No entanto, as chuvas não eram as responsáveis pela subsidência (afundamento) dos bairros (Figura 1). Então, o que gerou esse processo?
Figura 1. Esquema ilustrativo do processo de subsidência e danos causados na superfície do terreno. Fonte: CPRM [3].
Ao avaliar as possíveis causas para o afundamento dos três bairros na capital alagoana, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) propôs algumas linhas de pesquisa para entender a subsidência na região (veja mais em [4]). Neste artigo, abordaremos de uma forma simplificada três linhas de pesquisa, quais sejam o uso e a ocupação do solo, os aspectos geológicos da região e a extração de sal-gema.
Uso e ocupação do solo
Os bairros Pinheiro, Bebedouro e Mutange apresentam diferentes características de uso e ocupação do solo. O bairro Pinheiro se estende por uma área plana; apresenta urbanização já consolidada, com ruas pavimentadas, edificações em padrão construtivo elevado e tendência à verticalização (construção de prédios com múltiplos pavimentos). Já os bairros Bebedouro e Mutange ocupam terrenos com declividade; apresentam edificações em padrões construtivos inferiores e urbanização precária, a qual dificulta o acesso a certas regiões [5]. Estima-se que, atualmente, os bairros possuam cerca de 32 mil habitantes no total.
Em 1960, a região cresceu de modo orgânico e desordenado. Obras públicas nas décadas de 70 e 80 não implantaram instalações de saneamento básico adequadas, o que obrigou a população a fazer uso de sistemas de fossa-sumidouro. Esse tipo de instalação lança uma carga constante de águas servidas (esgoto) na matriz do solo, o que pode reduzir sua tensão efetiva (tensão entre os grãos) e, consequentemente, aumentar as tendência de erosão dos terrenos já submetidos a processos de afundamento. O acúmulo e a infiltração de água de chuva em embaciamentos endorreicos (regiões em que a água se acumula e que não apresentam saída superficial) no bairro Pinheiro, por sua vez, também podem contribuir para reduzir a tensão efetiva do solo [6].
Ao avaliar essas informações, a CPRM concluiu que esse conjunto de características somente não seria suficiente para causar a subsidência da região - no mais, poderiam agravar os afundamentos.
Aspectos geotécnicos
Os três bairros estão assentados sobre as formações geológicas (da mais superficial para a mais profunda) Algodoais, Poção, Maceió e Coqueiro Seco (Figura 2, Quadro 1).
Figura 2. Modelagem computacional das formações geológicas sob o bairro Pinheiro. Fonte: CPRM [4].
Quadro 1. Formações geológicas sobre as quais se assentam os bairros Pinheiro, Bebedouro e Mutange em Maceió/AL, Brasil. Fonte: CPRM [7, 8].
O Grupo Barreiras, camada superficial da Formação Algodoais sob o qual se assentam os três bairros, é formado principalmente por caulinita, goethita e quartzo e classificado quanto a sua granulometria como um solo silto-arenoso. A predominância de silte e areia — que também foi identificada em outros pontos de Maceió — indica que esse solo é mais suscetível a processos erosivos. A presença desprezível de argilominerais expansivos, por sua vez, indica que o solo não apresenta tendências a colapsar ou expandir [8] — diferentemente do que foi registrado em várias edificações pelos bairros [5].
Devido a esse conjunto de características, a CPRM concluiu que a geologia da região também não contribui para o afundamento de edificações e instalações urbanas, visto que essas características geotécnicas são similares em todo o município de Alagoas.
Exploração de sal-gema
Sal-gema é o nome dado à rocha sedimentar de origem química composta majoritariamente pelo mineral halita. Ele é encontrado em jazidas sob a superfície terrestre e é usualmente extraído por métodos de lavra subterrânea [9].
Ao integrar dados geológicos e de extração de sal-gema na região (realizada pela mineradora Braskem), a CPRM identificou que [3]:
Algumas das escavações realizadas interceptam fraturas de origem tectônica pré-existentes na região.
Há indícios de desplacamento do teto de algumas minas, também relacionado às falhas pré-existentes no maciço.
A extração de sal-gema alterou a tensão interna no maciço rochoso, provocando o colapso de algumas minas.
Por fim, a CPRM concluiu que a deformação nas cavernas da mineração e a localização destas em meio a falhas tectônicas pré-existentes na região tiveram papel fundamental na origem dos fenômenos que estão causando danos nos bairros Pinheiro, Bebedouro e Mutange [3]. A mineração de sal-gema na região será melhor explorada em outra publicação.
Em paralelo a esses estudos, uma intensa briga judicial ocorre entre a Braskem e o poder público alagoano, a fim de definir as responsabilidades sobre a subsidência em andamento e as consequências legais dessa situação [1].