Antes de se iniciar um projeto de barragem, os geólogos e engenheiros envolvidos nessa obra devem ter conhecimento das condicionantes geológico-geotécnicas que possam exercer influência na mesma. Após essa análise, de posse de informações como: características das rochas de fundação, morfologia das bacias hidrográficas, caracterização dos solos da região e ainda aspectos tectônicos e entendimento dos possíveis impactos ao meio ambiente, espera-se que os profissionais escolham o método de implantação mais adequado para o local.
Considerado por muitos especialistas como o maior desastre ambiental da história do Brasil, o rompimento da barragem da Vale, localizada em Brumadinho, causou uma grande avalanche de rejeitos de minério de ferro (Figura 1). A barragem 1 da Mina Córrego do Feijão se rompeu e a lama atingiu a área administrativa da empresa e a comunidade da vila Ferteco, deixando um grande rastro de destruição e centenas de mortos e desaparecidos.
Figura 1 - Rompimento de barragem de rejeito em Brumadinho. Fonte: https://www.matanativa.com.br/rompimentos-de-barragem-em-minas-gerais/.
A cidade de Brumadinho está localizada na região metropolitana de Belo Horizonte em Minas Gerais, que compõe o Quadrilátero Ferrífero (Figura 2). De acordo com o [1], é uma região montanhosa localizada na porção central do Estado de Minas Gerais ao sul da Cadeia do Espinhaço, que corta o estado no sentido Norte-Sul. Inserido em uma região de transição entre os Biomas Floresta Atlântica e Cerrado, caracteriza-se por uma grande diversidade geológica, geomorfológica e pedológica que condiciona a ocorrência de um mosaico de vegetações arbóreas, savânicas e herbáceas, cujos elementos bióticos e abióticos muitas vezes intercalam-se na paisagem em um padrão bastante intrincado.
Figura 2 - Minerais e rochas explorados no Quadrilátero Ferrífero. Fonte: www.geominas.mg.gov.br/kit_desktop/kit2/imagens/mapas/basicos/mg.gif.
Caracterização geológica - Mina Córrego do Feijão (Brumadinho)
Em Brumadinho, a observação in loco das rochas expostas possibilitam sua identificação como granito, relacionados aos Complexos Metamórficos de idade arqueana. Já entre as rochas metabásticas e metaultrabásicas destacam-se aquelas a oeste de Brumadinho, nos domínios do Complexo Bonfim. Segundo os mapas do IGA (1982) tem-se no local um domínio de metadiabásios e metagabros e outro de diques de gabro, diabásio e basalto, mais ou menos anfibolitizados. Um terceiro domínio é constituído de serpentinitos, serpentinitos talcificados, clorita-talco xisto anfibolíticos, serpentina-clorita-talco xisto, magnetita-clorita xistos e clorititos [1].
Segundo [1], os solos na região diferenciam-se ao longo da vertente, cujas classes e atributos estão intimamente relacionados à curvatura e declividade do relevo. Em um dos perfis estudados pelos autores, os solos podem ser classificados como Latossolo Vermelho Distrófico típico de textura muito argilosa. Em determinado horizonte deste solo, sua coloração avermelhada é compatível com o maior conteúdo de ferro obtido por ataque sulfúrico em relação aos demais perfis. Essa
coloração possivelmente está relacionada à melhor drenagem do perfil que favorece a permanência de hematita no sistema, responsável pelas cores vermelhas dos solos.
Na parte do relevo menos declivoso verificado por [1], há o favorecimento de fluxos verticais de água, que é prontamente drenada devido ao seu menor conteúdo e à maior profundidade do solo em relação aos demais perfis, ao mesmo tempo em que acelera o processo de intemperismo e seu aprofundamento, com baixas taxas de erosão e remoção do solo.
De uma forma geral, em Brumadinho, onde os solos são mais desenvolvidos, os horizontes superficiais apresentam menores conteúdos de silte e maiores de argila, havendo ainda presença de caulinita, mica, gibbista, goethita e vermiculita.
Como toda obra de engenharia, pelo menos parte de sua estrutura tem contato com rochas ou solos. No caso de uma barragem de rejeito não é diferente. Sendo assim, conhecer as condições geológicas do local no qual essa obra será inserida possibilita que o projeto seja executado da melhor forma possível, garantindo a segurança dos trabalhadores, da população do entorno do local e a preservação do meio ambiente.
Referências bibliográficas:
[1] COELHO, M. R.; VASQUES, G. de M.; TASSARINI, D.; SOUZA, Z. R. de; OLIVEIRA, A. P. de; MOREIRA, F. M. de S. Solos do quadrilátero ferrífero sob diferentes coberturas vegetais e materiais de origem. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2017. Disponível em : http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/1087417
Em janeiro de 2007, ocorreu um desabamento de um canteiro de obras da Linha 4-Amarela do Metrô, localizada na Zona Oeste de São Paulo, abrindo uma cratera de 30 metros de profundidade, como pode ser observado na figura 1 logo abaixo [1].
Figura 1: Cratera resultante do desabamento. Fonte: TV Globo
Segundo o laudo do Instituto de Pesquisa e Tecnologia (IPT), o acidente que ocasionou a morte de sete pessoas, mostra que a causa do desabamento foi por conta de uma negligência na segurança, que não foram tomadas as medidas necessárias após acelerarem o ritmo da obra [2].
Mas afinal, quais eram os aspectos geológicos do local e quais medidas foram tomadas durante a construção que culminaram com o desabamento?
GEOMETRIA DO TÚNEL E ASPECTOS GEOTÉCNICOS
O túnel da estação Pinheiros, possuía uma largura de 18,8m, altura de 14,2m, comprimento de 46,4m, e estava a uma profundidade de 35m. Com isso, a escavação ocorreu com uma meia circunferência de 18m de diâmetro, como pode ser visto na figura 2 [3].
Figura 2: Túnel durante a escavação. Fonte: IPT
Conforme a figura 3, é possível observar como era composto o solo da região, sendo caracterizado na figura 4 cada um dos detalhes. Durante a escavação, grande parte das seções atingiam a interseção entre dois tipos de maciços rochosos, caracterizados como Classe IV e Classe III. Esses dois maciços eram Gnaisse e Biotita Xisto, duas rochas metamórficas.
Figura 3: Seção geomecânica de um dos setores. Fonte: IPT
Figura 4: Testemunhos de sondagens horizontais. Fonte: USP
As sondagens do projeto básico foram realizadas apenas da forma vertical na região da estação, conforme a planta de figura 5 nos mostra. Para título de comparação, a figura 6 tem como foco o mapa geológico da mesma área da planta anterior [4].
Figura 5: Planta detalhando as sondagens do projeto básico e executivo. Fonte: USP
Figura 6: Mapa Geológico da região. Fonte: USP
Apesar do longo planejamento da obra, não foram realizados ensaios de permeabilidade em horizontes alterados do maciço gnaissico. Apesar de terem sido realizadas várias sondagens, apenas uma foi para determinar a permeabilidade do maciço, considerando ele sem nenhuma alteração [3].
A causa do colapso foi diagnosticada após o término das escavações. Na camada de biotita xisto havia pequenas falhas verticais, como pode ser visto na figura 7, que não foram detectadas, o que culminou em que fossem intercaladas com a camada de gnaisse. As tensões exercidas não puderam ser transferidas devido a camada fraca de biotita xisto, causando grande acúmulo de tensões e, consequentemente, a ruptura delas [5].
Figura 7: Camadas minúsculas de biotitas intercaladas com gnaisse. Fonte: IPT
A tensão pressiona a fina parede composta pela camada fraca, superando a resistência da rocha, que falhou causando colapso, conforme ilustrado esquematicamente na Figura 8[6].
Figura 8: Esquema da posição da camada de biotita xisto frágil e a falha na parede de escavação. Fonte: IPT
Com essas informações, o IPT descreveu em seu relatório que “a estação Pinheiros [...] apresenta por aproximadamente 40m, pequena cobertura de rocha, podendo ocorrer saprólito e/ou sedimentos terciários de abóbada. Além disso, a região é claramente interseção de estruturas geológicas regionais [...] propiciando alívio de tensões no maciço, que pode aumentar o aporte de água na escavação e gerar instabilidades” [3].
Referências
[3] Winiawer, José Eduardo Beltrão. "Análise de estabilidade de túneis escavados em meios rochosos: aplicação ao caso do colapso do túnel Estação Pinheiros." (2012).
[5] Kanji, Milton A. "Avaliação de sinistros e do risco em obras geotécnicas-Conceitos e alguns exemplos."
[6] Kanji, Milton A. “Rocas blandas–Problemas y soluciones en obras de ingeniería.” In: South American Symposium on Rock Excavations. 2012.
O texto "Funcionamento de Aterros Sanitários" possibilitou uma noção dos elementos componentes dessa obra e de sua importância ambiental. A partir de agora, trabalharemos um estudo de caso para associar a importância da geologia na implementação desse tipo de obra, usando como base o caso do aterro sanitário de Cuiabá - MT. Vamos lá?
Área de estudo
A área estudada localiza-se a nordeste da área urbana de Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, latitude 15º35’12S e longitude 56º04’16W, como mostrado na Figura 1. O referido aterro situa-se na bacia do rio Cuiabá, principal manancial de água de diversos municípios como Cuiabá e Várzea Grande [1].
Figura 1: Localização do aterro sanitário de Cuiabá.
Fonte: Google Earth (2021).
A área inicialmente era um lixão, logo, as lagoas de tratamento de chorume e a primeira célula de disposição de lixo não foram impermeabilizadas. Este fato despertou uma preocupação em relação à contaminação por chorume proveniente do lixo deste aterro [2].
Em estudo feito por Laureano e Shiraiwa (2008) [1], identificou-se uma possível contaminação do subsolo na área, sendo mais intensa na região das lagoas de tratamento de chorume e nas laterais sul e norte da célula de aterro impermeabilizado. Nos locais onde a deposição de lixo era mais recente, mesmo havendo impermeabilização de base, os valores de condutividade foram mais elevados, podendo ter havido contaminação do subsolo. Ou seja, a impermeabilização pode não ter sido efetiva, permitindo a fuga de chorume através da base do aterro.
Caracterização geológica da área de estudo
O aterro sanitário de Cuiabá se situa nos domínios geológicos do Grupo Cuiabá, pertencente a Faixa Interna de Dobramentos Paraguai, mais precisamente no compartimento geomorfológico denominado “Baixada Cuiabana” [1].
Na Baixada Cuiabana existem dois compartimentos de relevos, representados principalmente por diferenças litológicas. Nas regiões onde predominam metarenitos o relevo possui cotas mais elevadas, devido à resistência dessas rochas ao intemperismo. As regiões adjacentes, compostas na sua maioria por filitos, possuem uma topografia arrasada [2].
O Grupo Cuiabá na região da Baixada Cuiabana é subdividido em 9 Subunidades, sendo a região do aterro sanitário de Cuiabá localizada na Subunidade 5 em contato com a Subunidade 6 [2]. O perfil geológico transversal da área visto na Figura 2.
Figura 2: Perfil geológico transversal do aterro sanitário de Cuiabá
Fonte: Fernandes et al. (2006) apud Laureano e Shiraiwa (2008).
O lado noroeste do aterro situa-se dentro da Subunidade 6, constituída por filitos cobertos por camadas de cascalhos de quartzo e laterita, podendo apresentar fraturas preenchidas por quartzo em alguns pontos. A espessura das camadas de cascalho sobre o filito varia de alguns centímetros a alguns metros [2].
Os filitos são rochas metamórficas intermediárias entre ardósia e xisto na evolução metamórfica de pelitos. Diferentemente da ardósia, o plano de xistosidade é bem definido e brilhante, determinado pela disposição de mica muscovita e clorita principalmente [2]. Considerando que, em geral, as rochas metamórficas apresentam baixa condutividade hidráulica, e sendo o filito a rocha de base da Subunidade 6, pode-se inferir que esse lado do aterro é pouco permeável.
O lado sudeste faz parte da Subunidade 5, constituída de metarenitos, apresentando grande concentração de fraturas preenchidas por quartzo [2]. Os metarenitos também são rochas metamórficas, contudo, devido ao prefixo “meta” no nome dessa rocha, sabe-se que a mesma mantém algumas características da sua rocha de origem - o arenito, que é uma rocha sedimentar [3]. Sendo assim, essa parte do aterro tende a possuir condutividade hidráulica mais elevada, devido à maior permeabilidade e porosidade dessa rocha, sendo, portanto, mais suscetível à contaminação.
Referências
[1] LAUREANO, Andreza Thiesen; SHIRAIWA, Shozo. Ensaios geofísicos no aterro sanitário de Cuiabá-MT. Revista Brasileira de Geofísica, v. 26, p. 173-180, 2008.
[2] LAUREANO, A.T. Estudos geofísicos no aterro sanitário de Cuiabá, MT. Cuiabá, 2007. 149p. Dissertação (mestrado) – Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Programa de Pós-graduação em Física e Meio Ambiente, Universidade Federal de Mato Grosso.
[3] Instituto de Geociências - USP. Materiais Didáticos. Rochas Metamórficas. Disponível em: <https://didatico.igc.usp.br/rochas/metamorficas/>. Acesso em: 17 jul. 2021.